terça-feira, novembro 13, 2007

Historieta

I
Amei-te inexplicavelmente mais e mais tempo depois de ti
Criei superpoderes neuróticos e inúteis
Sofri intermitente
Senti-me enganado e evadido
Sofri por quem não eras e por quem pensava que eras
E afinal sofri por nada
Nem por mim, nem por ti, nem pelo início
Sofri inutilmente
Assim concluído, neguei os poderes e comecei a viver
II
Veio o arrebatamento
A tempestade como nunca tinha experimentado e aprendi a paixão
A intensidade sufocou-me
A luminosidade cegou-me
A sede secou-me e mesmo assim quis mais
Viciei-me no mel do nosso leito
Desintoxiquei, libertei-me e asustei-me
Passei a brincar de ser feliz
III
Pensei-te inofensivo
Fui-te volátil
E, de repente, num só gesto era todo teu
Fomos festa e felicidade
Fogos de artifício e alegria
Vivi liberdade e dependência
Mas alguma medida foi demais
Cochilei e quando acordei tudo mudara
Tudo trocara de lugar, inclusive o meu espelho
As cores fugiram e o ar ficou rarefeito
O para sempre se instalou
Viramos permanência mas não sobrevivemos
Ainda somos um do outro, mas em outro tempo.
IV
Persegui-te a todo o custo
e não percebi o quão fácil era ter-te em meus lábios
Pensei em brincar de amar e amei verdadeiramente
Pensei em brincar de ser feliz e o sonho virou realidade
A chuva fazia-me lembrar de ti
Cruzei oceanos para te ter somente para mim
O terreno era outro, eu era outro, tu eras outro
Era tudo ígual, mas não sabíamos nada de nós no teu reino
Eu temi por mim, e tu não me compreendes-te
Sofri por ti e por todo o resto
Trago-te em meu bolso
Ainda não sei o que fazer com o que sobrou de ti.
V
Deixaste-me desnorteado
Perdi a noite e o dia
A minha bússola descompassou
Vivi de migalhas e por algum tempo isto serviu
Quem tu eras não me interessava
O que eu sentia era o que tu eras em mim
E isso me transtornava numa embriaguez constante e morna
Fui impaciente, certamente por instinto
E a realidade era demais para ti
Muito ficou e nada se sabe do que ficou
Ainda te quero, mas não sei o quanto
VI
Meu escudo é mais forte do que imaginava
Embaixo do escudo sou pedra, e embaixo da pedra me auto-medico.
Nunca entro em ebulição, só me esparramo.
O tapete que puxaste dos meus pés era o meu favorito
Era o meu tapete voador de sonhos e histórias do meu passado
Era o tapete de uma das minhas portas de entrada, a que batia mais intensamente.
Aprendi com os gatos a cair sempre de pé, mas desta queda nunca mais me levanto.
Ao caminhar sob uma camada de gelo escorreguei
alguma parte de mim se afogou, a outra gelou
Tenho mais vidas, mas nenhuma é contigo
Hei um dia de me procurar
VII
Escrever de ti ainda dói
Ou simplesmente não sinto
Não posso mudar quem eu sou, mas mudei
Queria mudar quem tu és, mas não posso
Somos um só
mas este um perde-se
E não olhamos para a frente
Não tropeçamos nem vivemos
Passamos simplesmente
O público aplaude
Seremos farsa ou romance?
Há de chegar o dia em que não seremos mais nossos próprios protagonistas
Neste dia não me reconhecerás, e eu serei outro
A felicidade me persegue, mas a felicidade é cigana.
Quero minhas vidas de volta e quero outras
Não importa que eu morra ou volte a morrer
O barro do qual sou feito é mais resistente
E não tenho medo de perder o que não tenho
Nem o que já tive
Mesmo que eu não o saiba
Mesmo que eu não acredite
Mesmo desistindo
Não me preocupo
Meu rumo é como uma flecha
O alvo estará lá para eu o acertar.

quarta-feira, julho 18, 2007

Ser brasileiro é...

O Brasil é um país próspero. Nossa patria amargamente amada, onde tudo que se planta infelizmente cresce.
Plantamos ganância e colhemos corrupção. Plantamos indiferença, colhemos violência.
Plantamos leis dúbias e furadas, colhemos impunibilidade. Plantamos enriquecimento, colhemos desníveis sociais
Plantamos desrespeito, colhemos ódio. Plantamos anafalbetismo, colhemos pobreza.
Plantamos ganância, colhemos corrupção.
Plantamos irresponsabilidade, não colhemos nada. 
 
O Brasil não é mais o país do futuro. É  um país de ficção perigosamente real. É o país do faz-de-conta, onde tudo pode acontecer por baixo dos panos. Onde as pessoas são assaltadas, assassinadas, violadas, injustiçadas bem debaixo das nossas barbas e memos assim viramos para o lado, como se ao lado não fosse acontecer nenhuma desgraça. Mas a verdade é que acontece.
 
A verdade é que temos medo de sair à rua. Temos medo de ficar em casa e medo pelos que amamos. Temos medo de não chegar ao fim do mês com o nosso salário, medo de, de repente, não termos mais salário. Temos medo de não haver leito em hospital quando precisarmos, do dinheiro não chegar para os nossos medicamentos, medo das cláusulas de exclusão do nosso plano de saúde. Medo de não poder mais pagar o plano de saúde e depender da saúde pública. Temos medo de terminar a escola e começar uma carreira, porque as faculdades para os carenciados são para os ricos e as que custam uma exorbitância não nos preparam para nada. As universidade abarrotam e temos medo de sobrar na seleção final. Temos medo de nos formar e o canudo não abrir porta alguma. Temos medo das escolas públicas pelas greves constantes, e medo das particulares pela exagerada mensalidade. Temos muito medo e não fazemos nada.
 
Assistimos a tudo ao vivo e a cores. Pagamos, e caro, para manter no poder pessoas que se auto-intitulam políticos, mas que de política não sabem nada. Pseudo-políticos que adoram aumentar o próprio salário e fingir que trabalham quando trabalham. Pseudo-políticos que quando tem de decidir, nada decidem. Pagamos pelo nepotismo, pela ingovernabilidade e pelas CPI's que nem para entreter servem. Votamos por falta de escolha, elegemos por aparência, fazemos campanha não porque acreditamos, mas porque sairemos lucrando. Sabemos que temos um sistema partidário corrupto, um colégio eleitoral falido, uma distribuíção de poderes desnivelada. Sabemos tudo isso e nada fazemos.
 
O Brasil não terá solução enquanto acreditarmos que resolve andar de carro com a janela fechada. Que dizer não a quem nos pede dinheiro na rua é a única forma de ajuda que nos resta. Que condomínio fechado é sinônimo de segurança. Enquanto acharmos normal termos menos liberdade em prol de nos sentirmos mais seguros. Enquanto acreditarmos que novelas e Big Brothers são cultura para o povo.  Enquanto igrejas monopolizarem todos os canais de informação, enquanto acreditarmos mais na fé do que na cidadania. Enquanto considerarmos normal viver com medo. Enquanto esperarmos horas e horas por um avião que não parte e não podermos nem esperar sentados. Enquanto acharmos que tudo tem solução e que tudo acaba se ajeitando no final.
 
Acreditando nisso é o caminho para o horror. Acreditarmos que está tudo bem, ou não estando, que não podemos fazer nada, faz com que mais políticos roubem, mais ladrões surjam, faz aumentar a impunidade e a pobreza, faz com que não confiemos nos serviços públicos, na saúde pública, na educação pública, no transporte público, enfim, faz com que não confiemos em nada público. E, pior de tudo, faz com que tenhamos de nos horrorizar com um menino a ser arrastado até a morte por um carro roubado ou por 200 pessoas morrerem na explosão de um avião que embateu num angar por fatores alheios, por um detalhe, por um descuido. Descuido esse que poderia ter sido evitado se tivéssemos prestado mais atenção. Se tivéssemos gritado mais alto. Se tivéssemos agido mais cedo.
 
Enquanto nos horrorizarmos, ainda há esperança. Mas só isso não basta. Temos direitos e esses direitos devem ser garantidos e defendidos a todo o custo. 
Queremos não um país do futuro, mas um país do agora, um país que nos dê orgulho de sermos brasileiros. Queremos saber o que é ser brasileiro. Sentir orgulho ao dizer que somos brasileiros. E ,de um vez por todas, fazer com que o mundo saiba o orgulho que é ser brasileiro.
 
Cláudio R. D. Carneiro (direto do próprio exílio)
 

quinta-feira, junho 28, 2007

Big Bang

Não consigo lembrar-me do que vi primeiro. Tu ou o meu amor por ti.
Sinto como se tivesse sido uma coisa só. Tu eras o meu próprio amor.
Vi-te e me vi ao mesmo tempo. Cumprimentei-te e gaguejei.
Acho que teu perfume invadiu-me de imediato. Desde então nunca mais respirei sossegado.
O vírus do amor crônico, daqueles que nunca nos abandonam, tornou-me escravo e me libertou daquilo que alguém definiu como vida, mas na verdade era nada, até aquele preciso momento.
De repente toda a forma de arte me espelhava.
Compreendi o significado do mundo e suas forças.
Foste o meu despertar e meu eterno sonho.
A minha evolução como pessoa começara naquele instante.
Nunca viria a ter-te.
Mas também nunca viria a perder-te.
Nem mesmo a mim.

domingo, junho 10, 2007

Saudades Nº1

Tenho um altar dentro de mim
onde, dentro de uma linda caixa de cristal penetrável e transparente,
guardo o coração que já foi teu.
Lúcido, vibrante, enérgico,
ele bate infinitamente com amor e viscosidade.
Sinto saudades do que éramos quando estávamos juntos,
mas não sinto de ti como és agora.
O ontem já foi perdido e é no hoje que te tenho.
Foste o elo mais forte que alguma vez conheci,
terminou porque tinha que terminar,
já desenterrei tudo que podia para poder ir beber desse amor quando necessitar.

sábado, junho 09, 2007

O mais profundo espelho

Há vários reflexos de mim no espelho
Nenhum que me sirva por completo,
mas cada um, um ser a parte.
O maior conflito é não poder ser todos
e sentir a dor de sufocar alguns de mim.
Porque estes precisam ser inteiros, espaçosos, completos,
e estes não podem ser eu.
Eu quero ser os que compartilham, os que dão a vez ao outro,
o que cansa e passa a vez, de vez em quando.
Quero ser aqueles que são múltiplos e convexos,
aqueles que confundem qualquer tipo de identificação.
Os definidos e egoístas, embora fortes, devem ser removidos de mim,
pois seriam o meu fim.
É essa a minha luta.

segunda-feira, junho 04, 2007


Espero que esteja telefonando para mim!

faith additional lyrics

Em 89 o Robert Smith, do The Cure, improvisava letras a algumas músicas. Ele criava-as ali, naquele momento. Olha que bonito estes versos.




Introdução

Vieste de boa vontade e eu não tinha nada para mostrar
Eu chamei e vieste
e eu me travesti de mim mesmo
Vesti todas as roupas de meu armário, velhas e puídas
Sorri como eu lembrava que eu sorria
Fingi que faiscava ao falar do meu passado,
mas já o vivi demais, já o gastei demais.
Não havia nada em mim,
nem vontade nem paralisia,
nem temor nem charme
nem conquista nem fuga.
Mesmo assim quiseste a verdade,
minhas aflições já gastas e indecisas,
meus suspiros constantes,
minha sujeira acumulada.
E eu dei-te tudo que pediste,
assim como vieste,
eu disse.
E assim foste embora,
e eu fiquei.

quarta-feira, maio 23, 2007

O Invento

Sempre achei difícil te inventar,
mas nunca impossível.
Durante toda a minha vida fui em busca dos ingredientes os mais pitorescos,
dos mais inexistentes aos mais inatingíveis.
Nunca desanimei, nem quando derramava tudo ao chão
e tinha de recomeçar do zero.
Eras o mais perfeito,
eras a invenção da minha esperança de te inventar.
Mas isso foi há muito tempo atrás,
muito antes de eu enterrar a receita, rasgar o mapa e queimar o caminho.
Hoje nem pronto te compro.
No máximo pego-te emprestado para depois poder devolver.
Se valer a pena, quem sabe,
venha um dia a te encomendar.
Mas isso é invenção da minha cabeça.

segunda-feira, maio 21, 2007

Invasor

Alguém acordou em mim
viu meu rosto no espelho
e esqueceu de sorrir como eu costumava fazer.
Que péssimo intérprete de mim mesmo!
Como posso conviver com alguém assim?
Não decorou nem as falas nem as reacções,
e vive a espera que lhe dêem a próxima deixa.
Espera ser eu e não sabe nem como eu me visto
Acha que sou uma pessoa como outra qualquer,
e fácil de ser interpretado.
Engana-se se pensa que vou ajudá-lo.
Não vou nem lembrá-lo como eu sou.
Que ele viva em mim até me conhecer,
que ele descubra por si mesmo porque me abandonei
e deixei-me a deriva.
Quando ele implorar eu me aceitarei de volta.
E talvez o deixe aplaudir-me.

Homem-Bomba

Sou um assassino em série,
Não te quero perder, mas levo-te para a multidão e corro.

Por mais que eu tente eu não te esqueço,
e isso só te devora em mim.

Sou péssimo a guardar lembranças e ótimo em inventar desilusões.

Invento milhares de vidas e nenhuma me serve.

Nem a palma da minha mão eu conheço,

muito menos o que ela deseja tocar.

Sigo tateando e tropeçando sem nunca cair,
sem nunca machucar-me

e também sem nunca realmente prosseguir.

Paro para olhar, na esperança de estar em outro planeta,

mas a gravidade é voraz.

Queria apodrecer, mas nem isso,

pois o barro que sou feito condena-me.

Meus olhos foram-me tirados no check-in,

Meu coração extraviou-se
e meu destino nunca chegou a embarcar.
Espalhei-me e não me consigo juntar,

e confundo todas as partes com os mesmos erros.

Engano-me no perfeito
pois de imperfeito já me basto.
O mesmo imperfeito que me esvazia e me falta.

Meu grito é mental,
mas é uníssono a todo o som que escuto.
Existem milhares como eu
,
mas nenhuma parte se encaixa e nem se deixa encaixar.
As tempestades só acontecem na tv,

e fazem-me sonhar.

Um dia eu ainda serei notícia.

sexta-feira, maio 18, 2007

IT USED TO BE ME

Agora que eu me dou conta que o Robert Smith soube dizer, de uma maneira muito melhor, a forma como eu me sinto.
 
São as duas maneiras que eu me sinto.
Na primeira está a minha incapacidade de não considerar tarde demais o dia que ainda nem começou.
E na segunda, que é causa ou consequência da primeira, é a sensação de que tudo que eu tenho para dar, ou o que resta, é monocórdico. Tudo em mim já foi visto, dito, falado, sentido e experimentado.
O que, no fundo, eu sei que não é minimamente verdade, mas é o demônio que me possui neste momento.
 
1) Spilt Milk
 
".. And every day that I let slide
Is one more day I never try
To break the world
To make my fate
And with every day that I let go
It's one day less I never know
If it's always
Always too late..."
 
2) It Used to be Me
 
"all he needs is everyone i've been
and all she needs is everywhere i've seen
all they need
anything i've touched
and all you need is everything i've loved
everything i've heard everything i've learned
everything i've tried everything i've held
everything i've felt everything i've lost
everything i've cried
until my whole head shrieks with grinding my teeth
struggling to find a single word i can keep
any kind of truth
any kind of hope
oh just any kind of word that doesn't make me choke

but i keep saying i will and i won't
i keep saying i do and i don't
i keep saying i feel
but there is nothing to feel
just a strange kind of nothing where it used to be me...
it used to be me

all he needs from me is everyone i've ever missed
and all she needs from me
everyone i've ever kissed
all they need from me
anything i've ever sung
yeah and all you need from me is everything i've ever said
everything i've ever done everything i've ever made
everything i've ever prayed everything i've ever believed
everything i've ever touched everything i've ever loved
everything i've ever thought everything i've ever dreamed
until my whole head screams with grinding my teeth
desperate to find a single word i can keep
any kind of faith
any kind of fix
oh just any kind of word that doesn't make me sick

and i keep saying i will but i won't
i keep saying i do but i don't
and i keep saying i feel
but there is nothing to feel
just this strange kind of nothing where it used to be me...

anything and everything
all that you need
get it for free
anything and everything
all that you need
get it from me

get it from me
get it from me
get it from me"

quinta-feira, maio 17, 2007

O mesmo eu mesmo

Tenho andado sumido, desaparecido
Tenho evitado mostrar-me em público e em privado, e até nas entrelinhas.
Não me olho no espelho, não canto, não danço, não ouço música.
Nada que me identifique.
Dos meus amigos quero distância, e não por não quere-los ter desesperadamente por perto.
Simplesmente não quero mostrar-lhes o mesmo eu.
Mesmo sendo o eu que eles adoram, que eles admiram, que eles sentem falta.
Mas o eu que eles sentem falta é justamente o eu que eu não suporto mais.
Cansei de ser constante, de ser todo invariavelmente imutável.
Cansei de ser plano.
Se eu me mastigar e cuspir-me, não sobra nada.

quarta-feira, maio 09, 2007

Shortbus

Acabo de chegar agora do cinema. Fui ver o filme shortbus, com direção e roteiro de John Cameron Mitchell. Talvez seja exagero meu, mas fazia muito, muito tempo que eu não assistia a um filme tão bom! O filme não é nenhuma brastemp, mas consegue transmitir tamanha empatia que nos pegamos a desejar que o filme nunca termine. Desejamos que dure horas a fio para que continuemos a sentir aquela euforia que o filme provoca.

O filme conta a história de várias pessoas a procura, pois todos estão a procura. Procuram um significado para sua vida, e o filme assume, sabiamente, que tal significado passa pelo sexo, pelo excesso ou pela falta dele. Ninguém ali é solitário, mas são sexualmente incompletos, o que pode ser muito pior. Shortbus é, então, um bar onde o sexo abunda, mas não te arrasta. Não violenta, mas convida. Os personagens principais precisam chegar ao sexo, ou absterem-se dele, para que consigam completar-se. E o filme flui meio a música, a muita conversa, a muito bom astral.

Morri de inveja. Assisti ao filme todo sentindo como se eu consiguisse escrever um roteiro assim, e no entanto eu nunca tento. Quando eu criar vergonha na cara, quero escrever como o Mitchell.

segunda-feira, março 19, 2007

Cada um para o seu canto, outra vez.

Ela fechara-se em algo, há anos atrás. Poderia chamar-lhe de seu mundo, mas não podemos nomear o que não conhecemos. Ela trancara-se em seu quarto, ou na sua contínua rotina de adquirir mágoas. Seus entes mais próximos não sabiam o que dizer ou o que não dizer quando ela estava presente. Tudo era guardado, colecionado para transformar em tijolo para o seu muro. Eram eles, seu mais próximos, a causa de tal distanciamento ou apenas tentavam lidar com alguém que não se aproximava mais? Eles agiam com ela como agiam com qualquer um ou não? Quem tinha feito o que antes?

Por que ela seria diferente dos outros? Por que não teria a força de separar o que prestava do que não tinha valia nenhuma? Por que não era capaz de fabricar suas próprias defesas em vez de seus próprios refúgios?

Seu filho sempre desencadeava as reações a que ele chamava de tsunami. Chamava-os assim porque antes estava tudo calmo, e antes da grande onda que devastaria tudo, sentia as emoções se retraírem, o mar recuar, como que tomando força para se jogar sobre tudo e todos logo a seguir.

Ele convencera-se que sua mãe não se aproximava mais. Mesmo na distância de dois mundos, a força da saudade, que poderia ser a a impunsionadora do fim de todas as barreiras, era ,pelo contrário, a força para a fundação de mais um muro. Nas conversas triviais eram cortinas, e nas mais profundas eram silêncio.

E isso ele cobrava dela e ela cobrava dele. Acusavam-se um ao outro dos crimes que ambos se culpavam. A culpa bumerangue por uma deficiência não assumida.

segunda-feira, março 05, 2007

Mind the Gap

Sexta feira fui assistir ao filme Diário de um Escândalo ( ao qual eu insisto em chamar Segredos de um Escândalo). O filme é bom, mas saí do cinema com uma sensação de ter visto só a primeira parte do filme. Bem, mas não é isso que vim aqui falar. A certa altura, no filme, a personagem da Cate Blanchett confessa a Judi Dench que ela têm uma família e casamento perfeito, mas que há momentos que parece que não era nada daquilo que era queria. Ela pensava que seria alguém importante, alguém que faria a diferença, e relembra um conselho que o pai dela sempre dava: Mind the Gap. Ou seja, estar atenta a distância existente ao que sonhas para a tua vida e no que ela realmente se torna. Essa frase foi fortíssima, pois nas últimas semanas era justamente sobre isso que tenho estado a pensar e a resmungar aos meus amigos. Eu sempre pensei que seria alguém importante, e muitas vezes previram isso para mim, e esse destino até agora não aconteceu. E eu já começo a me preocupar que o momento em que eu devia ter subido, ou descido, na estação certa, do comboio do meu destino, já tenha passado. Espero que não. Espero que destino seja destino e não se possa mudá-lo. Como a minha mãe costumava me falar várias vezes e todas as vezes com o meu desdém: "A hora não é antes da hora, nem depois da hora. A hora é na hora."