quarta-feira, maio 23, 2007

O Invento

Sempre achei difícil te inventar,
mas nunca impossível.
Durante toda a minha vida fui em busca dos ingredientes os mais pitorescos,
dos mais inexistentes aos mais inatingíveis.
Nunca desanimei, nem quando derramava tudo ao chão
e tinha de recomeçar do zero.
Eras o mais perfeito,
eras a invenção da minha esperança de te inventar.
Mas isso foi há muito tempo atrás,
muito antes de eu enterrar a receita, rasgar o mapa e queimar o caminho.
Hoje nem pronto te compro.
No máximo pego-te emprestado para depois poder devolver.
Se valer a pena, quem sabe,
venha um dia a te encomendar.
Mas isso é invenção da minha cabeça.

segunda-feira, maio 21, 2007

Invasor

Alguém acordou em mim
viu meu rosto no espelho
e esqueceu de sorrir como eu costumava fazer.
Que péssimo intérprete de mim mesmo!
Como posso conviver com alguém assim?
Não decorou nem as falas nem as reacções,
e vive a espera que lhe dêem a próxima deixa.
Espera ser eu e não sabe nem como eu me visto
Acha que sou uma pessoa como outra qualquer,
e fácil de ser interpretado.
Engana-se se pensa que vou ajudá-lo.
Não vou nem lembrá-lo como eu sou.
Que ele viva em mim até me conhecer,
que ele descubra por si mesmo porque me abandonei
e deixei-me a deriva.
Quando ele implorar eu me aceitarei de volta.
E talvez o deixe aplaudir-me.

Homem-Bomba

Sou um assassino em série,
Não te quero perder, mas levo-te para a multidão e corro.

Por mais que eu tente eu não te esqueço,
e isso só te devora em mim.

Sou péssimo a guardar lembranças e ótimo em inventar desilusões.

Invento milhares de vidas e nenhuma me serve.

Nem a palma da minha mão eu conheço,

muito menos o que ela deseja tocar.

Sigo tateando e tropeçando sem nunca cair,
sem nunca machucar-me

e também sem nunca realmente prosseguir.

Paro para olhar, na esperança de estar em outro planeta,

mas a gravidade é voraz.

Queria apodrecer, mas nem isso,

pois o barro que sou feito condena-me.

Meus olhos foram-me tirados no check-in,

Meu coração extraviou-se
e meu destino nunca chegou a embarcar.
Espalhei-me e não me consigo juntar,

e confundo todas as partes com os mesmos erros.

Engano-me no perfeito
pois de imperfeito já me basto.
O mesmo imperfeito que me esvazia e me falta.

Meu grito é mental,
mas é uníssono a todo o som que escuto.
Existem milhares como eu
,
mas nenhuma parte se encaixa e nem se deixa encaixar.
As tempestades só acontecem na tv,

e fazem-me sonhar.

Um dia eu ainda serei notícia.

sexta-feira, maio 18, 2007

IT USED TO BE ME

Agora que eu me dou conta que o Robert Smith soube dizer, de uma maneira muito melhor, a forma como eu me sinto.
 
São as duas maneiras que eu me sinto.
Na primeira está a minha incapacidade de não considerar tarde demais o dia que ainda nem começou.
E na segunda, que é causa ou consequência da primeira, é a sensação de que tudo que eu tenho para dar, ou o que resta, é monocórdico. Tudo em mim já foi visto, dito, falado, sentido e experimentado.
O que, no fundo, eu sei que não é minimamente verdade, mas é o demônio que me possui neste momento.
 
1) Spilt Milk
 
".. And every day that I let slide
Is one more day I never try
To break the world
To make my fate
And with every day that I let go
It's one day less I never know
If it's always
Always too late..."
 
2) It Used to be Me
 
"all he needs is everyone i've been
and all she needs is everywhere i've seen
all they need
anything i've touched
and all you need is everything i've loved
everything i've heard everything i've learned
everything i've tried everything i've held
everything i've felt everything i've lost
everything i've cried
until my whole head shrieks with grinding my teeth
struggling to find a single word i can keep
any kind of truth
any kind of hope
oh just any kind of word that doesn't make me choke

but i keep saying i will and i won't
i keep saying i do and i don't
i keep saying i feel
but there is nothing to feel
just a strange kind of nothing where it used to be me...
it used to be me

all he needs from me is everyone i've ever missed
and all she needs from me
everyone i've ever kissed
all they need from me
anything i've ever sung
yeah and all you need from me is everything i've ever said
everything i've ever done everything i've ever made
everything i've ever prayed everything i've ever believed
everything i've ever touched everything i've ever loved
everything i've ever thought everything i've ever dreamed
until my whole head screams with grinding my teeth
desperate to find a single word i can keep
any kind of faith
any kind of fix
oh just any kind of word that doesn't make me sick

and i keep saying i will but i won't
i keep saying i do but i don't
and i keep saying i feel
but there is nothing to feel
just this strange kind of nothing where it used to be me...

anything and everything
all that you need
get it for free
anything and everything
all that you need
get it from me

get it from me
get it from me
get it from me"

quinta-feira, maio 17, 2007

O mesmo eu mesmo

Tenho andado sumido, desaparecido
Tenho evitado mostrar-me em público e em privado, e até nas entrelinhas.
Não me olho no espelho, não canto, não danço, não ouço música.
Nada que me identifique.
Dos meus amigos quero distância, e não por não quere-los ter desesperadamente por perto.
Simplesmente não quero mostrar-lhes o mesmo eu.
Mesmo sendo o eu que eles adoram, que eles admiram, que eles sentem falta.
Mas o eu que eles sentem falta é justamente o eu que eu não suporto mais.
Cansei de ser constante, de ser todo invariavelmente imutável.
Cansei de ser plano.
Se eu me mastigar e cuspir-me, não sobra nada.

quarta-feira, maio 09, 2007

Shortbus

Acabo de chegar agora do cinema. Fui ver o filme shortbus, com direção e roteiro de John Cameron Mitchell. Talvez seja exagero meu, mas fazia muito, muito tempo que eu não assistia a um filme tão bom! O filme não é nenhuma brastemp, mas consegue transmitir tamanha empatia que nos pegamos a desejar que o filme nunca termine. Desejamos que dure horas a fio para que continuemos a sentir aquela euforia que o filme provoca.

O filme conta a história de várias pessoas a procura, pois todos estão a procura. Procuram um significado para sua vida, e o filme assume, sabiamente, que tal significado passa pelo sexo, pelo excesso ou pela falta dele. Ninguém ali é solitário, mas são sexualmente incompletos, o que pode ser muito pior. Shortbus é, então, um bar onde o sexo abunda, mas não te arrasta. Não violenta, mas convida. Os personagens principais precisam chegar ao sexo, ou absterem-se dele, para que consigam completar-se. E o filme flui meio a música, a muita conversa, a muito bom astral.

Morri de inveja. Assisti ao filme todo sentindo como se eu consiguisse escrever um roteiro assim, e no entanto eu nunca tento. Quando eu criar vergonha na cara, quero escrever como o Mitchell.