domingo, novembro 16, 2008

A Ironia do Amor



Pode-se rejeitar o amar?
Quantos sentimentos um homem pode ter que seja capaz de controlar e domar? Capaz de ser senhor deste sentimento? Penso que muitos. Mas existem dois sentimentos, e somente dois, que ultrapassam o homem, e o controlam. Controlam suas acções, seu raciocínio, sua índole, seu auto-respeito. Os dois sentimentos são opostos e no entanto a sua distância os aproxima, e a sua oposição faz com que um seja o reflexo invertido do outro. Exactamente iguais, mas inversos.
Mas na luta pelo controle do homem, só um deles sai campeão. Só um deles consegue destruir o seu dono sem misericórdia alguma, e é capaz de fazer um ser humano esquecer sua própria existência, a própria consciência de sua existência.

Por isso escrevi essa pequena prosa, em homenagem a este grande sentimento dominador.

Diz-me quando posso sair,
quando poderei me alimentar
quando poderei olhar para os lados,
jogar para longe a trela que me puseste.
Diz-me quando me darás licença para cantar,
e para deixar o sol secar as lágrimas em meu rosto.
Quando poderei chorar por outra razão que não a que me sugas?
Deixar de esperar a tua esmola para apaziguar meu desespero?
Quando deixarei de desesperar perante a minha imagem solitária no espelho?
E quantas coisas eu deixarei de ser, somente para poder continuar a ser aquilo que eu não consigo mais ser?
Deixa-me caminhar com minhas próprias pernas e perder-me quando eu bem entender
Ter a liberdade de ser dono do meu destino, poder escolher minhas próprias prisões.
Esqueça-me e deixa-me voltar a ser o meu potencial
voltar a ser o meu inteiro, o centro do meu próprio universo.
Não posso te remover
Mas posso te odiar
e assim te reverter.

2 comentários:

Anônimo disse...

Luísa disse...

"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. (...)" Miguel Esteves Cardoso
6 de Novembro de 2008 22:15

Anônimo disse...

Ola Claudio,gostei muito do que escrevestes.Bom saber que es um dedo de prosa e poeta...gosto de escrever, gostei do teu blog. Anselmo